sábado, 11 de abril de 2009

Borboleta

Eu queria acordar sonolenta e no momento em que colocasse os pés no chão frio para caminhar até o banheiro e pentear os longos cabelos percebesse que me haviam nascido asas.Então eu me olharia no reflexo do vidro e imaginaria se aquilo era um presente de alguém que após notar minha existência tinha se sentido culpado.
Mas quando eu acordo sonolenta eu apenas visualizo uma cena estática que nunca acontecera.Naquele momento eu esqueço o nome do meu cachorro e a cor do meu pijama.
Não sabendo quem eu sou, continuo observando a cena estática e começo a ouvir sons dos mais derivados sinos.
Os ventos parecem avassaladores e meu cabelo me priva da visão,eu o coloco atrás da orelha mas ele teima em banhar minha límpida e confusa face.
Envolvida pelos ventos e pelos sinos eu começo a girar,girar e girar.Logo depois, os lençóis de minha cama me acompanham neste ritmo quase que em nenhuma velocidade,eu me viro e viro e eles parecem não se mover,mas depois de algumas mais voltas eu percebo que eles estão comigo nesta dança interminável.
Meu estômago me incomoda e eu já me sinto tonta,quando perco as esperanças e me rendo às voltas involuntárias causadas pelo extremo vento em meu quarto eu percebo que já não sinto o frio do chão.E então eu estou voando.
A luz é o símbolo da complexidade de mim mesma e a minha sede para alcançá-la é estupenda,eu tento e tento mas ela está tão longe.
Eu canso.
Anseio por um líquido doce que me lembre do gosto amargo das palavras que jamais direi novamente,porque hoje eu sou feliz.Eu sou feliz quando faço as minhas voltas em círculos pelo quarto enquanto alcanço a luz suprema e sou feliz quando minha sede pelo mais doce líquido de mim toma conta.
Já não sei se estou lúcida.
Tudo me parece tão confortável e seguro.
Os dias passam e os meus sentimentos se desfazem,eu já não acredito na felicidade e a luz nunca me foi tão fraca e medíocre como hoje.Me encho do mais puro ódio e passo a desgostar de minha cena estática antes nostálgica.
Caio sobre a mesa.
Meus pulsos sangram mas não me lembro de os ter ferido.
E então eu choro.
Me dou conta que estou fraca,a minha cena estática se escuresse,a luz está tão apagada quanto minhas coloridas asas e os sons dos sinos se perderam no abismo que surgia diante de mim.O abismo que eu havia sentido por toda a vida naquele exato momento se materializara.
Tudo perde o sentido e o que antes era som agora já não é nem ruído.
Eu luto,acreditando que o vácuo de mim mesma acredite nas mentiras prévias de minhas preces e me deixe agonizar em paz.
Nada acontece.
Me entrego à mim mesma como quem entrega um copo d'água para a vizinha gorda dos dentes podres.
Caio sobre a cama e abro os olhos devagar.
Devagar,devagar e agora rápido!
Eu era uma borboleta.

4 comentários:

  1. a metamorfose é a coisa mais dolorida. a beleza parece não vir sem a dor. mas quem muda corre o risco de ver ruir o passado - e como você disse, é desesperador, mas (talvez) bom.

    olá, obrigado pela visita, volte sempre.
    li todos os seus contículos e já sou seu follower.
    :)

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  2. Concordo com leonardo e verônica, mas acrescento:

    A palavra desaparece quando escolhemos a fuga da dor e a empatizamos com o medo; as perdas são meros ganhos de espaço que não deveriam serem chamadas de "perdas". A mudança de cor é uma etapa da vida. O "Borboleta" descreve muito bem a sensação.

    Abraços

    AAAA já ia me esquecendo: Eu gostei!

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  3. Ao despertar de sonhos inquietantes, Camila M. deu por si no espelho metamorfoseada em uma borboleta.

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