sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Plaft

Eu não soube conversar.
Então eu evitei.
Os meus pés tremiam.
Eu olhei para baixo e era tudo tão bonito. Elas são tão pequenas.
Eu não posso ouvir mais nada, perdi meu tímpano nas escadas mas eu sinto tudo vibrar daqui de cima e então eu sei, nada está quieto.
Os edifícios de meus adornos são altos e o ar rarefeito tem cheiro de mofo à milanesa.
Ainda pulo daqui e caio alí. E quando eu estiver no chão, descanso as minhas pernas.
Tudo está como estava, as coisas estão lá, sou eu que estou aqui. Não posso descrevê-las. Elas estão lá e sou eu quem está aqui.
De qualquer maneira, melhor ter certeza.
Erguendo os pulsos num movimento brusco e os admirando na velocidade dos segundos. Ela vê que ali estão os dois marcos de sua existência, os dois pequenos marcos paralelos e idênticos em seu pulso a convidam para o tango dos sentidos, ela se desgasta e se inunda para tirar de seu bolso um dos olhos que lhe faltavam. Sem as mãos no bolso, o céu se destaca. Agora com dois olhos ela vê que o cheiro de mofo ali se propagava.
Aqui estão, no mesmo lugar de ontem e de amanhã.
Quer dizer que eu estou aqui agora.
Tenho que decidir se me cubro de náuseas.
Os pés se soltaram e o corpo se inclinou.
Como que numa ilusão de geometria tudo ali parecia quieto.
Ela estava quieta, esperando pela cocaína do chão e pela paralisia da existência.
O líquido vermelho se alojava em todo o seu tronco, parecendo gritar que agora, ele a possuía.
Já não se reconhece, ela está entorpecida pelo chão e flutuando sobre o a indigestão dos que a viram cair.
Ali, a sua face é a de quem gostaria de se levantar, mas o líquido vermelho parece possuir um fluxo de força que a mantém.
Ela não escuta, ela não escolhe.
A multidão de mortos ao seu redor com bolsas e belos trajes a julgam imbecíl enquanto ligam para as luzes e sons brilhantes.
O vermelho do carro parece ter sido proposital.
Como um casamento de tons.
Todos usufruiem da lástima para exaltar-se.
O corpo dela, enlatado.
Todos mortos.
Derramam falsas feições.
Hoje ela esteve no chão, assim como ela sempre tinha estado.
Não havia cheiro de mofo algum. Tudo dissolvera.
Mas o silêncio dela, não tem dias, não tem tempo.
Se ela pudesse ver o próprio rosto agora, freneticamente o limparia.
Mas quando ela o via, mal escovava os dentes.

Chão frio

Antes eu queria sair.
Correr para outro lugar.
Ter aonde me deixar cair e depois voltar para a casa, pronta para a imitação da minha rotina.
A cozinha está cheia de coisas minhas.
Eu só queria morrer um pouco mais longe daqui.
Estou sempre morrendo.
Um dia, eu morro pra valer.
Não quero que as pessoas na locadora continuem me vendo arrastar os chinelos.
Seria egoísmo deixá-los para trás?. Não só as pessoas da locadora. Seria?
Seria mais egóismo eu ficar por eles?
Eu devo ir.
Eu tenho jogado fora coisas que são importantes para mim.
Tenho jogado fora as minhas cartas, os meus contos, tenho jogado fora.
Figuras, carimbos, cartões, meias, tudo, tudo.
Olho pela janela e vejo tudo o que eu joguei através dela, na rua, no escuro. E então por alguns segundos eu não sei se estou aqui ou lá.
Sem as meias eu fiquei andando descalça e com os pés tão frios, que eu comecei a reclamar.
Um miojo, um banho quente.
Perdi minhas unhas na tentativa frustrada de escrever e escrever ontem a noite.
Escreverei até os meus dedos sangrarem. Minha única dádiva confiável.
Aqui, agora, tudo momentâneo no meu lugar.
Mas antes eu queria sair.
Correr para algum lugar bem longe daqui.
Onde eu não saiba o nome das pessoas e nem dos seus cachorros.
Um lugar onde eu me sinta a vontade para me livrar de mim.

Efeitos secundários

Após o homicídio o assassino volta para o conforto de sua casa, vai ao banheiro aonde lava o rosto, direciona os olhos para o espelho e diz para si mesmo: "tive de fazer, eu não tive escolha".
A verdade é que se ele não tivesse dilacerado os pulsos finos dela, se ele não tivesse feito sexo como um ex-presidiário cheio de fome, se ele tivesse apenas reparado no traseiro dela naquela noite e ido para a casa sem mais consequências, ele também se sentira mal.
Visto isso, deixar o sangue escorrer e deixar o traseiro livre caminhar, terminaria de maneira previsível.
Me senti assim.
Eu me sinto assim.
Com o sentimento de que não importa o que eu faça, os efeitos secundários me serão os mesmos.
E como se nada me bastasse, eu sou indiferente.
Porque se render ao acaso da tortura, é tão fraco.
Refletir sobre o que não se sabe. Não se sabe.
Ser indiferente está fora de controle, mas o que me enlouquece é pensar em milhões de hipóteses a fio para tal sentimento sem pudor que me fode o peito e não chegar a nenhuma conclusão convincente. Ou seja, eu perco tempo. Perco tempo sofrendo com algo que irá passar e voltar, e passar e voltar, e passar e voltar, sem mais e nem menos, com enormes feitos e transtornos que a olho nu se parecessem muito com uma noite mal dormida.
Queria me sentir um pouco mais lúcida de mim mesma. Porque no momento em que eu me canso de fugir de forma saudável, eu percebo que saudável ou não, continua sendo uma fuga. Me deixe intorpecida.
Apesar dos meus mais profundos pesares, eu tenho a infelicidade de ser feliz de forma casual.
Minha vida medíocre me soa mesquinha.
Agora eu estou semi-morta, semi-fria e totalmente indiferente.
Eu preciso de algo.
De algo.