domingo, 26 de dezembro de 2010

Em todas as esquinas, um velho sentado assiste as crianças e os cavalos, ou ainda vê os carros e coça os pés com os chinelos largos. Ora o velho usa boina, ora sorri sem cabelos, ora sapateia com os dedos e usa roupas quentes suspeitando do calor que dá sede na gente.
A velha desgostosa na varanda, sentada na cadeira que não balança, não tenta nem abrir os olhos para ver quem na calçada faz o cachorro rosnar, finge que dorme e o cachorro não escolhe as canelas de quem passar.
Os bares, também cheios de gente velha que não esqueceu como cruzar as pernas, e ainda acende o cigarro com uma mão só, ao lado na mesa do truco o músico se escorre em dó absoluto convertendo o passado e o futuro num ritmo lento e sereno de mãos rugosas.
E eu andando à toa como quem nada quer, me pergunto se aquela mulher comprando tomates na feira, julgando cada um pela sua beleza será velha. E se um dia ela mesma for, saberá ela que com tanto amor os bares, esquinas e varandas estão no seu aguardo? Que ontem vi sua mãe com cegueira procurando o guardanapo, toda habilidosa sem nada ver lutando para não ceder ao tempo, era tardezinha e queria ouvir ao relento os sabiás do pôr-do-sol.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Sem Título

Decidiu continuar penteando os cabelos, e tinha as mãos fortes.
Não perdoava os contornos, não perdia o ritmo severo e quando os músculos cediam, se agonizava.
Com os braços fracos, desistia do corpo por entre o abstrato de fios que jaziam mortos ao chão do banheiro.
Queria ser os cabelos.
Como um dia quem os acolhera hoje os libertara da nuca injuriada.
Sentia tanto tudo que pôs-se a não sentir.
Queria cortar-lhe a cabeça fora, quis abnegar a vida, mas por preguiça decidiu por salvar os cabelos.
Podera ela ficar sem peles e sentir o ar fresco por entro os vãos de seus finos ossos que nunca contentes com a carne que os cerca, saltam e transparecem por entre os azuis de suas veias cruzando sua pele branca. Sem peles, seria mais leve para correr de tudo o que pensou para si.
Seus braços já não doíam tanto quanto o couro cabeludo machucado. Abriu a gaveta e guardou o pente com os dentes finos e enormes.
Depois de varrer o chão, quis comprar uma peruca.